segunda-feira, 23 de julho de 2018

Reportagem de Pecinha é a Vovozinha por Dib Carneiro Neto

A dupla brasileira de palhaços que viaja o mundo com o Cirque du Soleil

Uma conversa com Gabriella Argento e Thiago Andreuccetti, dois jovens clowns consagrados na cena paulistana de teatro para crianças, que atuam juntos desde maio no mesmo espetáculo da trupe canadense, o ‘Amaluna’,  já visto no Brasil.
Dois brasileiros muito queridos no nosso circuito de teatro para crianças e jovens, Gabriella Argento e Thiago Andreuccetti, estão viajando o mundo como o casal principal de palhaços do espetáculo Amaluna, da companhia internacional Cirque du Soleil. Ela já estava neste show desde 2015 e trata-se de seu terceiro espetáculo no Soleil (os outros foram KA, entre 2004 e 2007, e Varekai, em 2013 e 2014). Ele entrou na companhia – e em Amaluna – só este ano: sua estreia foi em Santiago do Chile em 31 de maio de 2018, ou seja, depois que esse mesmo espetáculo já havia feito suas turnês pelo Brasil (em São Paulo e no Rio, entre outubro de 2017 e janeiro de 2018).
Um show inédito do Cirque du Soleil leva entre um a dois anos de criação. Os ensaios sempre acontecem em Montreal, que foi onde, por incrível que pareça, os brasileiros Gabriella e Thiago se conheceram – apesar de, no Brasil, terem até trabalhado na mesma companhia, mas em épocas diferentes (a Vagalum Tum Tum). Nunca tinham se cruzado. “Todo novo artista é encaminhado a Montreal para as fases de treinamentos, ensaios, maquiagem, figurino”, detalha Gabriella Argento, que tem 43 anos de idade, 23 de carreira profissional e 25 no ofício de palhaço. “Independentemente de onde o show esteja no mundo, primeiro vamos a Montreal. Eu morei em Las Vegas três anos quando atuava no KA. Com o Varekai viajei as Américas do Sul, Central e do Norte, e com o Amaluna já fiz toda a turnê pela Europa e agora estou de volta à América do Sul desde 2017.”
Amaluna estreou em Montreal em meados de 2012. Mesmo tendo entrado no show tanto tempo depois que a atração já estava na estrada, Thiago Andreuccetti diz que seu processo de ensaio foi rápido, apenas duas semanas, no IHQ, sede do Cirque em Montreal, no Canadá. “Me senti muito bem, porque mesmo dentro de um roteiro que já existia, me foi dada plena liberdade para criar meu personagem”, diz ele, que tem 35 anos de idade e 15 de profissão. “Eu não tenho certeza, mas parece que eu e Gabi somos a primeira dupla brasileira num mesmo show do Cirque do Soleil.”
“Nossa parceria ainda é muito recente, mas o que posso dizer do Thiago é que ele é um super parceiro, em cena e fora dela”, derrama-se Gabriela para o novo amigo. “Participei da audição em setembro de 2017 no Rio de Janeiro”, relembra ele, orgulhoso. “Cerca de 40 artistas fizeram um dia inteiro de testes e eu terminei como um dos sete finalistas, estando apto a ser chamado por eles para trabalhar a qualquer momento. Em janeiro de 2018 começaram a procurar um ator físico para o papel que estou fazendo agora. Passei por mais uma bateria de testes, desta vez mais específicos para o papel e cá estou!”
Gabriella e Thiago não são os únicos brasileiros atualmente nos elencos dos vários shows em repertório do Cirque du Soleil espalhados pelo mundo. “Muitos brasileiros fazem parte hoje do Cirque”, confirma Gabriella. “Não sei os nomes de todos, mas tem o Claudio Carneiro, o Kleber Berto, o Gabriel Nogueira. Somos muitos, diria em torno de 30.” Além dos artistas, há também técnicos brasileiros e uma galera que trabalha nos escritórios, acrescenta Thiago. Ele conta que, durante a Copa do Mundo de Futebol na Rússia, os brasileiros se reuniam no contêiner de número 54 para assistir aos jogos, o contêiner dos técnicos.
E, a seguir, cinco perguntas feitas para Gabriella e Thiago, para que você os conheça um pouco melhor.
PECINHA É A VOVOZINHA – Por que acha que foi escolhido (a) para o Cirque?

GABRIELLA ARGENTO – Pela minha disponibilidade e adaptabilidade. Eu digo ‘sim’ para o jogo, para o parceiro, para o diretor. ‘Sim’ no sentido mais abrangente da palavra. Eu compro propostas com muita facilidade e sei me adequar ao que o jogo cênico pede de mim.

THIAGO ANDREUCCETTI – Fui escolhido por muitos fatores, acho. Primeiro eu fiz um movimento em direção ao Cirque. Depois, eu cumpro uma série de requisitos artísticos nos quais eles estão interessados, como expressividade cênica, capacidade de improviso, saber jogar com o seu parceiro ou parceira, construir um personagem e comunicar uma série de emoções e ideias ao público sem o uso da palavra e por aí vai… Trabalho há 15 anos como ator profissional e nesse tempo sempre estive em busca de me melhorar e aprender coisas que eu não sabia e o circo tem me ensinado muito. Demorei um tempo para compreender qual o tamanho do meu corpo num picadeiro daquele tamanho, qual o tempo da escuta entre mim e o parceiro de cena, entre mim e a banda, entre mim e a plateia. Ao contrário do que eu pensava, não tenho de ser maior para ser visto. Quanto menor e mais preciso, mais nítido se é na grande lona… Tem sido um aprendizado maravilhoso.
PECINHA É A VOVOZINHA – De que aspectos você está mais gostando e admirando nessa nova turma?

GABRIELLA ARGENTO – Bom, o Cirque já não é mais novidade para mim. É familia. A estrutura circense muito me agrada por esse aspecto de trupe, de força do coletivo. Gostos também do fato de o circo não cultuar indivíduos.A estrela é o próprio circo, e eu gosto desse anonimato como artista.

THIAGO ANDREUCCETTI – Estou muito feliz por trabalhar numa companhia que eu admiro há 20 anos e que com certeza me influenciou desde cedo na minha busca por uma comunicação dramática que seja universal, ultrapassando as barreiras da linguagem falada. A troca com artistas do mundo todo é maravilhosa, não só pelo fato de você ser obrigado a se comunicar em uma ou mais línguas que não a sua, mas também para observar como cada tipo de artista trabalha. Os russos, as trapezistas, os contorcionistas… cada um tem um ritmo e uma maneira de encarar o trabalho. Destaco também a continuidade do trabalho. Numa semana, temos de 8 a 10 espetáculos, e essa carga de apresentações possibilita um apuro técnico que é extremamente rico porque você tem a possibilidade de ao mesmo tempo experimentar coisas novas em busca de melhorar o que for preciso e aprofundar em pontos que já estejam funcionando.
PECINHA É A VOVOZINHA – E o que mais está estranhando no processo de trabalho, algo que seja diferente do que você estava acostumado (a)?

GABRIELLA ARGENTO – Por mais curiosa que essa resposta possa parecer, eu nunca estranhei a maneira de trabalhar do Cirque. Gosto da forma séria e disciplinada com que o trabalho é encarado.Muitas regras a seguir, mas sem elas não seria possível atingir a maestria dos resultados que mostramos ao público.

THIAGO ANDREUCCETTI – Fazer de 8 a 10 apresentações na mesma semana tem o lado de melhorar e aprofundar, como eu disse acima, mas tem um outro lado: vivenciar uma rígida rotina. A última vez que tive uma rotina parecida foi na escola (hahahaha): acordar mais ou menos na mesma hora, ir pro Cirque, ver as mesmas pessoas, fazer os mesmos atos, comer na mesma hora, isso foi algo que eu estranhei no começo.
PECINHA É A VOVOZINHA – Conte um pouco de sua formação.

GABRIELLA ARGENTO – Após uma formação teatral clássica enveredei de vez pela palhaçaria. Fiz Teatro-Escola Célia Helena e lá conheci minha grande amiga e eterna mestra Bete Dorgam. Ela me colocou na trilha que eu procurava com o palhaço, e dali segui a estudar com Cristiane Paoli-Quito, Phillipe Gaulier, entre outros.

THIAGO ANDREUCCETTI – Comecei fazendo teatro amador no bairro de Ferrazópolis em São Bernardo do Campo no WV Clube, junto com minha tia Alda. Ela e minha tia Lilian eram palhaças no início dos anos 80, crias do Circo Escola Picolino e carrego essas referências até hoje. Com 16 anos comecei a trabalhar no NR Acampamentos, lugar pelo qual tenho muito carinho e lá tive muito contato com o palco e o improviso, tendo que entreter grupos grandes de crianças. Conto isso porque há um lugar empírico de formação no artista brasileiro que não passa pela escola de teatro (e isso é um diferencial da gente aqui fora). Em 2003 entrei na Fundação das Artes de São Caetano do Sul, outro lugar pelo qual tenho imenso carinho e lá me formei ator em 2006. Sempre gostei da comunicação dramática corporal,  dança, mímica, palhaço, commedia dell’arte, toda forma dramática que use o corpo como ferramenta de expressão. Assim, paralelamente à Fundação, fui fazendo todos os cursos que se aproximavam disso (e que meu bolso podia pagar). Cito mestres como Tiche Viana e Esio Magalhaes, Bete Dorgam, Doutores da Alegria, Eduardo Okamoto, Mario Bolognesi, Luis Carlos Laranjeiras, Luis Louis e Andre Guerreiro Lopes.
PECINHA É A VOVOZINHA – Cite alguns trabalhos seus de que mais tem orgulho?

GABRIELLA ARGENTO – O maior orgulho da minha carreira foi um espetáculo chamado O Chá de Alice, direção da Bete Dorgam e realizado por interessantissimo nucleo de pesquisa do qual fiz parte chamado Ópera de Risco. O espetáculo foi o resultado da tese de Doutorado defendida por Bete Dorgam na USP. Tenho muito orgulho também de A História do Soldado, direção de Marcelo Romagnoli, que me rendeu um APCA de melhor atriz de teatro infantil em 2011.Também prezo muito minha participação nos Doutores da Alegria, Jogando no Quintal e Cia Vagalum Tum Tum.

THIAGO ANDREUCCETTI – Eu vou citar companheiros de estrada que me dão orgulho, porque acho que a gente fez coisas muito bonitas juntos: 1) Vany Alves, minha primeira diretora no profissional; 2) Barracão Cultural, nas figuras da Eloisa Elena e do Dr. Morris Picciotto, com quem fiz Caixa Mágica (por 10 anos), Cacoete, que me rendeu uma indicação ao antigo Prêmio Femsa, O Tribunal de Salomão e A Condessa e o Bandoleiro, quando fomos para a rua com o teatro! Foi quando me encantei pela rua e não larguei mais; visitamos todo o interior de São Paulo. Por causa do Barracão pude trabalhar com alguns dos melhores profissionais atuantes no teatro de São Paulo e essa troca não tem preço. Foi lá também que conheci de perto Francisco Medeiros, um diretor que me virou do avesso no melhor aspecto da palavra. 3)Vagalum Tum Tum. Tenho muito orgulho de ter participado da criação do espetáculo Henriques e de poder compartilhar com essa trupe que há 17 anos adapta para crianças as obras do maior autor de todos os tempos (Shakespeare), através do olhar do palhaço. Admiro muito essa pesquisa continuada de linguagem. 4) A ExCia de Teatro. É uma galera maluca que mistura teatro, mídias sociais, áudio binaural, cinema e mais um monte de coisa para atingir o espectador. Tive o prazer de trabalhar com eles num projeto chamado Eu, Negociando Sentidos, um espetáculo que começava pelo Facebook e se desenrolava dentro de uma casa com o público por 3 semanas. Insano. Os caras continuam na batalha e eu os amo muito. 5) O Coletivo dos Anjos. É uma galera de Jandira, capitaneada pelo Eder dos Anjos, que tira leite de pedra. Um excelente leite. Os caras brigam na unha por políticas públicas para a cultura e ganham! Acho que nós artistas de Sampa temos muito a aprender com eles. Evoé, Jandira!

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